Dona Antônia ou a flor pequenininha que nasce na beira do asfalto

Há tempos conhecemos uma senhora. Enquanto criávamos cenas e quebrávamos a cabeça para construir algo orgânico e vivo, Dona Antônia chegou singela e toda curiosa para saber o que nós, em plena flor da juventude, fazíamos num galpão pintado de preto por dentro e vermelho por fora. Era embaraçoso o fato de não sabermos responder a ela, afinal de contas, algum motivo havia para ali estarmos todos os dias, até naqueles em que o calor era fatigante e exaustivo. Mas, então, respondemos: – Teatro, Dona Antônia. Aqui fazemos Teatro. – E foi como se tivéssemos respondido qualquer outra coisa que não fizesse sentido algum para a velha quase jovem senhora. Não importava. Ali estava ela, conosco. E tínhamos de conhecê-la. É o que dizem quando cruzamos com alguém de mais idade. Que esse alguém tem sabedoria e é preciso escutá-lo, mesmo quando diz silêncios.

A Dona Antônia desdizia as quietudes. Sempre falava, até quando o assunto lhe faltava, aí dizia à toa. Mas, de vez em quando, fazia brotar umas lembranças e dava-nos as flores que apareciam em forma de sorriso. E trazia tudo isso dentro de um carrinho, que depois de alguns minutos transformava-se em café, pão de queijo e bolo. Era o lugar e o tempo de papear com toda a seriedade de uma velha criança. Alguns dias mais Dona Antônia veio e outras coisas nos contou.

Depois de um tempo, já não sabíamos mais se era ela que precisava de nós para contar suas histórias ou se éramos nós que precisávamos dela para… Descobrir. É… Descobrir mesmo! Jogar fora a carcaça que vai se construindo em torno de cada um, para entender o que vale a pena ser de verdade. Nós não sabíamos por que razão aquela senhora nos visitava, mas a vida foi se fazendo, aos poucos, mais valiosa. Só sabíamos que disso era preciso cuidar.

Feito flor pequenininha que nasce na beira do asfalto. E assim foi que a Dona Antônia nunca mais nos deixou.

Camila Feoli

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