Sobre os dias em que parece que vamos morrer…
Ao longe se via um vulto alto e azul puxando um carrinho de feira e cantarolando. Aos poucos, a figura de lenço na cabeça e com sapatos amarelos, bem vibrantes, aproximava-se. – Bom dia, Marlene! – disse para a vizinha, ao entrar em casa. Guardou sua bolsa e do carrinho tirou uma flor branquinha, a sua preferida, uma sacola de frutas e legumes. Desembrulhou algumas maçãs e, ao abrir uma das sacolas, simplesmente petrificou. Com um olhar congelado e vidrado na sacola, ela havia sentido o cheiro de uma lembrança, e tudo à sua frente se desfez.
Estava agora sentada ao lado da cama de um homem enfermo, gemendo baixinho e suando frio, pálido. Então, começava a chover. Levantou-se e foi até janela, observou a chuva e sentiu cheiro de manga podre, viu no quintal uma enorme quantidade de mangas caídas, apodrecendo ao pé da árvore, agora cheirando ainda mais por conta da chuva. Apenas lamentou não poder recolhê-las, voltou-se para o quarto, olhou para o homem acamado e ele havia partido. De súbito, segurou-se na mesa à frente para não cair, estava ali agora mesmo e, de repente, não mais.
Ficou tonta, precisava sentar, mas, no caminho, sentiu uma fisgada no peito, como se uma faca fria atravessasse seu coração: – Credo, tem dias que parece que a gente vai morrer!
Adalberto Severiano